quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Judô - Benefício Para Epilépticos


Baseado nos artigos: Judô e epilepsia - Douglas Vieira (1) e Epilepsia e decisão Medico-desportiva - Drs. Jorge Ruivo e Anabela Valadas (2)

O judô é um esporte tradicional, popular e praticado por indivíduos de diferentes raças, origens, faixas etárias e classes sociais que teve sua origem quando o Professor Jigoro Kano procurou sistematizar as técnicas de uma arte marcial japonesa, conhecida como Jujitsu, fundamentando sua prática em princípios filosóficos bem definidos, a fim de torná-la um meio eficaz para o aprimoramento do físico, do intelecto e do caráter, num processo de aperfeiçoamento do ser humano.

Jigoro Kano transformou a arte marcial do antigo Jujitsu no Judô, em que através do treinamento dos métodos de ataque e defesa pode-se adquirir qualidades mais favoráveis à vida do homem sob três aspectos: condicionamento físico, espírito de luta e atitude moral autêntica.

Além disso, uma questão de extrema importância também foi criteriosamente estudada e desenvolvida por Jigoro Kano. Quando na preparação para o lançamento do seu estilo de luta, o Professor Kano deu especial atenção para a integridade física do atleta. Dentro de seu ideal de luta esportiva, Kano procurou eliminar as técnicas perigosas e na impossibilidade de eliminar as quedas, consequência natural dos golpes de arremesso, aperfeiçoou técnicas que praticamente anulam as possibilidades de acidentes. A prática do ukemi (quedas ou formas de cair ou de ser projetado) proporciona aos judocas um excelente senso de equilíbrio e proteção, mesmo para uma queda fora do tatame que, por pior que seja, terá seus efeitos diminuídos ou anulados.

Até o momento, nenhum estudo na literatura abordou com exatidão a relação entre epilepsia e a prática de judô.

O termo epilepsia refere-se a um distúrbio da atividade cerebral caracterizada pela ocorrência periódica e espontânea de crises epilépticas, decorrentes da descarga excessiva e sincronizada da rede neuronal, acompanhada de manifestações comportamentais. Essas crises podem surgir espontaneamente ou ser desencadeadas por situações como: febre, distúrbio eletrolítico, intoxicação, doenças degenerativas e alterações vasculares. A epilepsia não é, portanto, uma doença específica ou uma única síndrome, ela representa um grupo complexo de distúrbios decorrentes de funções cerebrais alteradas que podem ser secundárias a um grande número de processos patológicos.

Apesar da crescente promoção do exercício físico e do esporte num contexto terapêutico, a sua adoção a nível de subpopulações clínicas é heterogênea. São poucos os doentes epilépticos que incorporam exercícios físicos na sua rotina diária, apesar dos seus benefícios. Muitas vezes tal fato deve-se a restrição (indevida) médica ou dos pais, o que condiciona uma menor aptidão física por parte destes indivíduos. Durante muitos anos houve a tendência para desencorajar os epilépticos da prática de exercícios físicos por receio que este pudesse exacerbar a doença. Atualmente existem estudos que demonstram que o indivíduo epiléptico, com um bom controle das crises, pode participar em esportes sem aumentar a frequência ou gravidade das crises epilépticas, ou mesmo se beneficiar de um melhor controle da sua doença. O resumo da evidência científica que se faz em seguida pretende contribuir para o passo mais importante: a individualização da decisão médico-desportiva após análise dos riscos/benefícios A maior parte dos estudos apontam para a diminuição de crises com a prática regular de exercícios físicos conferindo um efeito protetor aos pacientes com epilepsia. No primeiro estudo no qual avaliaram o efeito de um programa de atividade física com uma duração de 12 semanas em 14 pacientes com epilepsia foi verificado que o exercício moderado influenciou positivamente o comportamento dos pacientes e não apresentou impacto sobre a frequência de crises dos mesmos, sugerindo que a prática de atividade física deve ser incentivada para os indivíduos com epilepsia. Em outro estudo, o grupo de pesquisa do autor (1) avaliou os hábitos esportivos de 100 pacientes com epilepsia e constatou que, apesar dos indivíduos com epilepsia não praticarem atividade física regularmente, a grande maioria acredita que a atividade física influencia positivamente o tratamento da epilepsia. Além disso, salientamos que entre as modalidades esportivas praticadas com maior frequência pelos indivíduos com epilepsia destaca-se o futebol, a natação, a ginástica, o vôlei e a bicicleta. Dessa forma, acreditamos que os pacientes com epilepsia (com controle total de crises, com ou sem o uso de medicação antiepiléptica) devem ser encorajados pelos seus médicos neurologistas à prática do judô, pois além de poderem apresentar uma significativa melhora cognitiva, a prática deste esporte também poderá auxiliar favoravelmente o controle desta síndrome neurológica.

Apesar do efeito favorável da atividade física sobre a saúde ser inquestionável, programas de exercício físico para indivíduos com epilepsia é ainda assunto de controvérsia. Uma atitude superprotetora em relação às pessoas com epilepsia normalmente evita sua participação em atividades esportivas. Esta relutância dos indivíduos com epilepsia e de seus familiares é devida, em parte, pelo medo de que o exercício poderá causar crises ou pelo receio de ocorrência de lesões durante o exercício. Dessa forma, a principal preocupação das pessoas com epilepsia em relação ao exercício físico resume-se na possibilidade deste atuar como fator indutor de crises ou aumentar a frequência das mesmas após o início de um programa de treinamento físico. As crises podem ocorrer durante o exercício, no entanto, com uma frequência bastante reduzida ou em casos específicos. Nesse sentido, indivíduos com epilepsia podem ter os mesmos benefícios de um programa de treinamento físico que qualquer outra pessoa: aumento da capacidade aeróbia máxima, aumento da capacidade de trabalho, frequência cardíaca reduzida para um mesmo nível de esforço, redução de peso com redução de gordura corporal e aumento da autoestima.

A maioria dos esportes são seguros para os epilépticos. As atividades aeróbias, como corrida, ciclismo, basquetebol, podem ser recomendadas sem restrições. Os esportes de contato, como por exemplo o boxe não induzem crises e a sua participação não deve ser restringida. Curiosamente, relatos recentes indicam que a participação em artes marciais como o judô podem inclusive ser benéficas para o controle da doença Pelo fato de se encontrar um efeito positivo nos estudos experimentais e clínicos que avaliaram o efeito do exercício físico nas epilepsias, a atividade física em geral não deve ser considerada um fator indutor de crises epilépticas. Além da discussão sobre a influência da atividade física na frequência de crises, conhecendo que a atividade física proporciona efeitos benéficos tanto físicos quanto psicológicos em pessoas com epilepsia, parece justificável encorajar as pessoas com epilepsia a participarem de um programa de exercício físico regular, dentre os quais o judô se inclui. Obviamente que uma série de estudos ainda deve ser realizado com o intuito de esclarecer com maior exatidão a relação entre atividade física e epilepsia. No entanto, o médico neurologista deve sempre oferecer ao paciente as possibilidades existentes de tratamento e informá-los de uma forma precisa, coerente e baseada na literatura médica atualizada sobre a possibilidade ou não da prática de atividade física. Finalmente, com relação ao judô, a decisão final deverá ocorrer após um consenso entre as partes envolvidas, isto é, o médico, o sensei (professor de judô), o paciente e seus familiares.

(1) Douglas Vieira, vice-campeão olímpico em Los Angeles 1984 e técnico da seleção Sub 20 feminina, obteve um 2009 o título de mestre com a tese "Conhecimento sobre epilepsia entre estudantes de educação física na cidade de São Paulo. O programa de mestrado foi feito em Neurologia/Neurociências da Universidade Federação de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, com a orientação do Professor Doutor Ricardo Mario Arida e coorientado pelo Professor Doutor Fulvio Alexandre Scorza.
(2) Departamento de medicina desportiva, Clinica das Conchas, Serviço de Medicina, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Serviço de Neurologia, Hospital de São Bernardo, Setubal, Portugal.

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